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SIMULACRO | Direção: Miguel Moura | Ficção, 9 min, Rio de janeiro, 2015. Um homem e sua TV.

 

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Três figuras masculinas atravessando e sendo atravessadas por uma profunda solidão. Três diferentes formatos e gêneros que tratam e retratam, à luz do enquadramento fílmico,  o ser e estar só. Em pauta, três curtas da Mostra Extensão.

Em “Simulacro”, de Miguel Moura (2015, 9′), exibido no Festival de Cannes 2015, o aparente registro documental dá lugar à ficção com um tema que lhe é recorrente: o que é real? A vida num apartamento, enquadrada, em suspensão. O que se ouve é tão-somente propaganda, salvo quando o protagonista se posta diante do espelho e nesse ou desse ambiente reverbera um som estridente, ou quando, finalmente, solta um grito. Desenho de som, câmera e cor traduzem essa atmosfera de um lugar aparentemente cheio, mas vazio de sentido (s). Uma vida consumida diante da TV, do computador, do celular, do tablet. Não demora para surgirem as olheiras, as cáries; a dependência química assoma. Qual o sentido da torneira, da pia, do vaso, do chuveiro, do espelho reiteradamente mostrados em meio a cortes e ruídos? A resposta constitui um paradoxo: a vida reproduzida ou refletida na tela da TV (“Show de Truman”, 1998, Peter Weir, BBB…). O virtual toma as rédeas, levando o malfadado homem contemporâneo a assumir uma postura simiesca, talvez primeva, se pensarmos na evolução da espécie humana. Em vez do osso que dá lugar à galáxia de Kubrick, outro é o espaço revelado por Miguel Moura: o de um homem duplicado na teletela, regurgitando as próprias entranhas da solidão.

“Ed” (Animação, RS, 2013, 14′), de Gabriel Garcia, é um drama metalinguístico, notadamente um estudo de personagem, que conta a história de um coelho cinquentão em conflito existencial. A fábula traz muitas referências, especialmente fílmicas, uma delas, talvez não intencional, mas que parece possível é Donnie Darko, um filme norte-americano de 2001, dos gêneros ficção científica, drama e horror escrito e dirigido pelo estreante Richard Kelly. Embora Ed não tenha nada de monstruoso, sua estranheza e afastamento em relação aos demais permitem aproximá-lo do personagem vivido por Jake Gyllenhaal em Donnie Darko.
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Um dos traços marcantes do filme de Gabriel Garcia é a elegância no movimento de câmera, sugere plano-sequência numa das tomadas, lembrando as aberturas de David Fincher, como em Clube da Luta (1999). Não menos elegantes são as passagens de cena, revelando a sintonia entre roteiro, edição e direção, resultando, enfim, num belo trabalho de montagem. Há nuance de cores para cada momento retratado. Predomina o melancólico azul quando Ed Coelho se encontra só. A trilha sonora, pautada por ruídos, barulho de chuva e música incidental, realça a narrativa construída sem diálogos. O que aparentemente figura sem relação (cena de assalto a banco, cena doméstica, cena área de guerra, cena de boate…) ganha clareza com o deslizar da câmera em cena no camarim: cartazes com paródias de filmes, fotografias, objetos pessoais. Também sugestiva é a cena em preto e branco de filme antigo com sapateado. Surge depois de imagem desfocada. Bastidores revelados, angústia ampliada: o pontilhado cinematográfico é silenciado por um estampido.

O terceiro e último filme da Mostra Extensão é o documentário de Leo Tabosa, “Tubarão” (2015), um voyer de banheiros públicos profundamente afetado pela morte do companheiro, um surfista carioca vitimado por um tubarão em Recife, onde decidiram morar. O filme fala sobre perdas e ganhos, sobre língua e cultura, sobre a dor da saudade. A deliberada intenção de não mostrar o rosto do entrevistado, mesclada aos enquadramentos, ofuscamentos, locação, fotografia e som, sugere a prática que mantém vivo, em parte, um estrangeiro radicado no Brasil. Não se vê como criminoso ou doente, afinal, onde começa e termina a curiosidade que pode, ou não, se confundir com promiscuidade? Quem, de fato, é vítima ou predador? A resposta compete a cada um.



et cetera